Mal Estar No Tempo

A dimensão do tempo parece estar atraindo uma grande atenção, a julgar pela quantidade de filmes recentes que põem ênfase na questão; De volta para o Futuro, Terminator, etc. O livro de Stephen Hawking “Uma breve História do Tempo” (1989) foi um best-seller e se converteu, ainda mais surpreendentemente, num popular filme. Destaca-se, ainda, a quantidade de livros dedicados ao tempo; são também muitos os que não, mas ainda assim destacam a palavra em seus títulos, como “A Cor do Tempo: Claude Monet” de Virginia Spate (1992). Tais referências têm haver, ainda que indiretamente, com o súbito, pânico ante a consciência do tempo, a atemorizante sensação de estarmos atados a ele. O tempo é cada vez mais uma manifestação chave da alienação e da humilhação que caracterizam a existência moderna. Ilumina totalmente esta paisagem deformada, e o fará de forma inclusive mais rude até que esta paisagem e todas as forças que lhe dão forma sejam alterados até além da percepção.

Esta contribuição ao tema tem pouco a ver com a fascinação que exerce o tempo sobre os produtores de TV e diretores de cinema, ou com o atual interesse acadêmico nas concepções geológicas do tempo, a história da tecnologia do relógio ou a sociologia do tempo, nem com as observações pessoais e conselhos sobre seu uso. Nenhum destes aspectos nem excessos do tempo merecem tanta atenção como o significado e a lógica interna do tempo; já que, apesar do fato de que a característica do tempo de gerar reações de perplexidade se converteu, segundo a estimação de John Michon, em quase “uma obsessão intelectual” (1988), nossa sociedade é singelamente incapaz de atuar com ele.


Com o tempo, nos confrontamos com um enigma filosófico, um mistério psicológico, e a um quebra-cabeça da lógica. Não surpreendentemente, Considerando a massiva reificação envolvida, algumas pessoas têm duvidado de sua existência desde que a humanidade começou a distinguir o “tempo em si mesmo” das mudanças visíveis e tangíveis no mundo. Como assinalou Michael Ende (1984): “Há no mundo um grande segredo que é ainda assim algo comum. Todos nós somos parte dele, todo mundo é consciente dele, mas muito poucos pensam sobre ele alguma vez. A maior parte de nós apenas o aceitamos e nunca se perguntam sobre ele. Este segredo, é o tempo”.


Mas, o que é o “tempo”? Spengler declarou que ninguém deveria permitir-se perguntar. O físico Richard Feynman (1988) respondeu, “Não me pergunte. É demasiado difícil para pensar sobre isso”.Tanto empiricamente quanto na teoria, o laboratório é impotente para revelar o fluxo do tempo, já que não existe instrumento que possa registrar seu passo.

Mas, por que temos uma sensação tão forte de que o tempo passa, inevitavelmente e numa determinada direção, se realmente não é assim? Por que esta “ilusão” tem este poder sobre nós? Do mesmo modo poderíamos perguntar-nos por que a alienação tem tal poder sobre nós. O passar do tempo nos é intimamente familiar, o conceito do tempo é ridiculamente ilusório; por que este fato deveria parecer bizarro, num mundo cuja sobrevivência depende da mistificação de suas categorias mais básicas?

Temos caminhado junto com este processo de dar substância ao tempo; de tal modo que parece um fato da natureza, um poder que existe por direito próprio. O crescimento de um sentido do tempo - a aceitação do tempo - é um processo de adaptação a um mundo cada vez mais reificado. É uma dimensão construída, o aspecto mais elementar da cultura. A natureza inexorável do tempo proporciona o modelo definitivo de dominação.


Quanto mais avançamos no tempo, pior fica. Segundo Adorno, vivemos em uma era de desintegração da experiência. A pressão do tempo, como a do seu progenitor essencial, a divisão do trabalho, fragmenta e dispersa tudo a frente. Uniformidade, equivalência e separação, são produtos derivados da força bruta do tempo. A beleza e significado intrínseco do mundo de 'ainda-não-cultura', movem-se sem pausa para sua aniquilação sob uma única cultura do relógio . A afirmação de Paul Ricoeur (1985) de que “não somos capazes de produzir um conceito do tempo que seja ao mesmo tempo cosmológico, biológico, histórico e individual”, falha em anunciar como eles estão convergidos.


A respeito deste conceito “fictício” que sustenta e acompanha a todas as formas de encarceramento, “o mundo está cheio de propaganda apoiando sua existência”,como Bernard Aaronson colocou tão bem (1972). "Toda consciência", o poeta Denise Levertov (1974) escreveu " é consciência do tempo”, mostrando quão profundamente alienados estamos no tempo". Nos tornamos controlados sob seu império, na medida que o tempo e a alienação seguem aprofundando em sua intrusão, sua adulteração da vida diária. “Isto significa,” pergunta David Carr (1988), “que a ‘luta’ em nossa existência consiste em superar o tempo em si mesmo?”.Pode ser que seja exatamente este o último inimigo a ultrapassar.


Indo a luta contra esta onipresença ao mesmo tempo um adversário fantasma, é relativamente mais fácil falar do que o tempo não é. Não é sinônimo, por razões bastante óbvias, de mudança. Também não é seqüência de mudanças, nem ordem de sucessão. O cachorro de Pavlov, por exemplo, deve ter aprendido que o som de um sino era seguido de sua alimentação; de que outro modo poderia ter sido condicionado a salivar ao som? Mas cachorros não possuem consciência de tempo, portanto antes e depois nao podem constituir o tempo.


De alguma forma relacionada são as inadequadas tentativas de ter tudo em conta, exceto nosso inevitável sentido do tempo. O neurólogo Gooddy (1988), na linha de Kant, o descreve como uma de nossas “subconscientes pretensões sobre o mundo”. Alguns têm descrito, sem ajudar muito, como um produto da imaginação; e o filósofo J.J.C. Smart (1980) decidiu que era um sentimento que “surge da confusão metafísica”. McTaggart (1908), F.H. Bradley (1930) e Dummett (1978) têm estado entre os pensadores do século XX que se decidiram contra a experiência do tempo por suas características contraditórias a partir de um ponto de vista lógico, mas parece bastante claro que a presença do tempo tem causas bastantes mais profundas do que a mera confusão mental.


Não há nada sequer remotamente similar ao tempo. Isto é tão antinatural e ao mesmo tempo tão universal como a alienação. Chacalos (1988) aponta que o presente é uma questão tão intratável como o tempo em si. Que é o presente? Sabemos que sempre é o agora; algo fica confinado dentro dele, e não pode experimentar nenhuma outra “parte” do tempo. No entanto, falamos dessas outras partes com toda confiança; aquelas que chamamos “passado” e “futuro”. Mas enquanto as coisas que existem em outro lugar do espaço, que não é este, seguem existindo, as coisas que não existem agora, como observa Sklar (1992), não existem em absoluto.


O tempo necessariamente flui; sem sua passagem não haveria sentido de tempo. Seja o que for flui, no entanto, flui com respeito ao tempo. O tempo, portanto, flui com relação a si mesmo, o que não faz sentido com relação ao fato de que nada flui a respeito de si mesmo.Não temos vocabulário disponível para a explicação abstrata do tempo, exceto um vocabulário em que o tempo já se encontra pressuposto. O que é necessário é questionar todas estas coisas. A metafísica, com limitações que lhe impôs a divisão do trabalho desde seu nascimento, é um tanto limitado para tal trabalho. O que é o fluir do tempo, o que o move para o futuro? Seja o que for, isto deve estar além de nosso tempo, tem que ser mais profundo e poderoso. Tem que depender como o indicou Conly (1975), de forças “elementares que estão operando continuamente”.


William Spanos (1987) destacou que certas palavras em Latim para “cultura” não só significam agricultura ou domesticação, mas também traduções dos termos em Grego para a imagem espacial do tempo. Somos, basicamente, “atadores de tempo” no dicionário de Alfred Korzybski (1948); a espécie, devido a tal característica, cria uma classe simbólica de vida, um mundo artificial. Este atar-o-tempo se revela num “enorme aumento no controle sobre a natureza”. O tempo se converte em real porque tem conseqüências, e tal eficácia nunca foi mais dolorosamente visível do que agora.


A vida, em seu traçado mais exposto, é dito é uma viagem através do tempo; uma viagem através da alienação é um dos segredos mais públicos. “Nenhum relógio afeta ao que esta feliz”, diz um provérbio alemão. O passar do tempo, uma vez sem sentido, é agora o ritmo inevitável que nos restringe e coage, espelhando uma cega autoridade em si mesma. Guyau (1890) determinou o fluxo do tempo como “a distinção entre o que alguém precisa e o que tem” e por tanto “onde se faz incipiente o arrependimento”. Carpe Diem, diz a máxima, mas a civilização nos força sempre a hipotecar o presente ao futuro.


O tempo se dirige continuamente para uma maior rigidez da regularidade e da universalidade. O mundo tecnológico do Capital mapeia seu processo através disto, não poderia existir em sua ausência. “A importância do tempo”, escreveu Bertrand Russell (1929), repousa “mais em sua relação com nossos desejos do que em sua relação com a verdade”. Há um ânsia que é tão palpável como o tempo; e a negação do desejo não pode ser organizada de forma mais definitiva do que através da vasta construção a que chamamos tempo.


O tempo, como a tecnologia, nunca é neutro; como bem julgou Castoriadis (1991), está “sempre se apropriando de significado”. Tudo aquilo que pessoas como Ellul disseram sobre a tecnologia, de fato, aplica-se e com mais profundidade ao tempo. Ambas condições são penetrantes, onipresentes, básicas, e em geral se tomam como admitidos assim como a própria alienação. O tempo, como a tecnologia, não só é um fato determinante senão também um elemento cuja função é envolver; no sentido em que as sociedades divididas desenvolvem. Assim, requer que seus sujeitos sofram, sejam “realistas”, sérios, e sobretudo, devotos ao trabalho. É autônomo em seu aspecto de totalidade, como a tecnologia; vai para adiante para sempre por si mesmo, sem necessidade de nada externo.


Mas, igual a divisão do trabalho, que esta por trás e põe em movimento o tempo e a tecnologia, trata-se de um fenômeno socialmente aprendido. Os humanos, e o resto do mundo, encontram-se sincronizados com relação ao tempo e a sua manifestação técnica, no lugar de ser ao contrario. Central a toda esta dimensão -tal e como o é a alienação por si - é o sentimento de ser um espectador impotente. Todo rebelde, portanto, também se rebela contra o tempo e sua severa constância. A redenção tem de implicar, num sentido muito fundamental, a redenção do tempo.


O Tempo e o Mundo Simbólico


“O tempo é o acidente dos acidentes”, segundo Epicuro. Examinando-o mais de perto, no entanto, sua gênese aparece menos misteriosa. Muitos pensaram, de fato, que noções como “o passado”, “o presente” e “o futuro” são mais lingüísticas que reais ou físicas. O teórico neo-freudiano Lacan, por exemplo, afirmou que a experiência do tempo é essencialmente um efeito da linguagem. Uma pessoa sem linguagem seguramente não teria sensação do tempo. R.A.Wilson (1980), chegando muito perto a questão, sugeriu que a linguagem teria começado pela necessidade de expressar o tempo simbólico. Gosseth (1972) argumentou que o sistema de tempos verbais encontrados nas linguagens indo-européias se desenvolveu ao mesmo tempo em que desenvolveu uma consciência de tempo universal ou abstrato. O tempo e a linguagem são co-termos, disse Derrida (1982): “e star num é estar no outro”. O tempo é uma construção simbólica imediatamente anterior, relativamente falando, a todas as demais, e que precisa da linguagem para atualizar-se.


Paul Valery (1962) se referiu à queda da espécie no tempo como sinal de uma alienação da natureza; “através de uma forma de abuso, o homem cria o tempo”, ele escreveu. Na época sem tempo, antes de sua queda, que constituiu a maior parte de nossa existência como humanos, a vida, como muitas vezes é dito, tinha um ritmo mas não uma progressão. Era o estado em que a alma podia “coletar, em seu ser completo” nas palavras de Rousseau, na ausência de estruturas temporárias, “onde o tempo não é nada para a alma”. As atividades em si, habitualmente a do tipo lazer, eram os pontos de referência antes do tempo e da civilização; a natureza fornecia os sinais necessários, de forma bastante independente ao ”tempo". A humanidade deve ter sido consciente de recordações e propósitos muito antes que se fizessem distinções explícitas entre passado, prese nte e futuro (Fraser, 1988). Mais além, tal como estimou o lingüista Whorf (1956), “as comunidades pré-literárias [primitivas], longe de ser sub-racionais, poderiam mostrar o funcionamento da mente humana num plano superior e mais complexo de racionalidade do que a dos homens civilizados”.


A imensamente oculta chave para o mundo simbólico é o tempo; de fato, encontra-se na origem da atividade simbólica humana. O tempo por tanto ocasiona a primeira alienação, a rota fora da riqueza e da plenitude aborígine. “Fora da simultaneidade da experiência, o evento da Linguagem”, diz Charles Simic (1971) “é uma emergência para o tempo linear”. Pesquisadores como Zohar (1982) consideram que as faculdades da telepatia e a pre-cognição foram e tem sido sacrificadas pela evolução em uma vida simbólica. Se isto soa absurdo, o sóbrio positivista Freud (1932) viu a telepatia como algo bastante possível “o método original arcaico através do qual os indivíduos se entendiam uns aos outros”. Se a percepção e o reconhecimento do tempo se relacionam com a mesma essência da vida cultural (Gurevich, 1976), a chegada deste sentido de tempo e sua cultura concomitant e representam um empobrecimento, inclusive uma desfiguração, devido ao tempo.


As conseqüências desta intrusão do tempo, via linguagem, indicam que esta última não é menos inocente, neutra, ou livre de preconceitos, que o anterior. O tempo não é só, como disse Kant, a fundação de todas nossas representações, mas, por este fato, é também a fundação de nossa adaptação a um mundo qualitativamente reduzido, simbólico. Nossa experiência neste mundo se encontra sob uma pressão onipresente para ser representação, para ser quase inconscientemente degradada em símbolos e medidas. “O tempo”, escreveu o místico alemão Meister Eckhart, “é o que impede que a luz nos atinja”.


A consciência do tempo é o que nos habilita a lidar com nosso meio simbolicamente; não há tempo à parte desta hostil alienação. É através de uma simbolização progressiva que o tempo se internaliza, como se fosse algo dado; é retirado da esfera da produção cultural consciente. “O tempo se converte em humano na medida em que se atualiza na narrativa”, é outra forma de colocá-lo (Ricoeur 1984). A crescente simbolização neste processo constitui um firme estrangulamento do desejo instintivo; a repressão desenvolve o sentido do tempo em desenvolvimento. A imediação da lugar, substituída pelas mediações que fazem possível a história; a linguagem está na linha de frente.


Se começa a ver banalidades passadas como “o tempo é uma qualidade incompreensível do mundo dado” (Sebba 1991). Número, arte, religião, fazem sua aparição neste mundo “dado”; fenômenos abstratos que se pretende fazê-los reais. Estes ritos emergentes, como sustenta Gurevitch (1964), levam “à produção de novos conteúdos simbólicos, apoiando a percepção de direção, de avanço do tempo”. Os símbolos, incluindo obviamente o tempo, têm agora vida própria, nesta progressão acumulativa e interativa. “A Realidade do Tempo e a Existência de Deus”, de David Braine (1988) é ilustrativo; argumenta que é precisamente a realidade do tempo o que prova a existência de Deus, a perfeita lógica da civilização.


Todo ritual é uma tentativa, através do simbolismo, de regressar ao estado eterno. O ritual é um gesto de abstração de tal estado; no entanto, de qualquer modo é um passo em falso que só afasta mais. A “carência de tempo” dos números é parte desta trajetória, e contribui muito ao tempo como conceito fixo. De fato, Blumenberg (1983) parece altamente correto em analisar que “o tempo não se mede como algo que tem estado sempre presente; ao invés, é produzido, pela primeira vez, através de medição”. Para expressar o tempo devemos, de alguma forma, quantificá-lo; o número é portanto essencial. Inclusive quando o tempo já fez sua aparição, uma existência social cada vez mais dividida trabalha para sua progressiva reificação apenas por através do número. O sentido do tempo passando não é muito considerado pelos povos tribais, por exemplo, não marcam o tempo com calendários nem relógios.


Tempo: um significado original da palavra no antigo grego é divisão. Número, quando se adiciona ao tempo, potencializa a divisão ou separação. Os não-civilizados com freqüência consideraram “má sorte” contar criaturas vivas, e geralmente resistem em adotar a prática (por exemplo, Dobrizhoffer 1822). A intuição para o número foi muito diferente de espontânea e inevitável, mas “já se achava presente nas civilizações antigas”, informa Schimmel (1992); “se sente como se os números fossem uma realidade que pareceria que tinha um forte campo magnético a seu arredor”. Não é de se surpreender que entre as antigas culturas com uma forte emergência do sentido do tempo - egípcia, babilônica, maia - vemos os números associados com figuras rituais e deidades; de fato, os maias e os babilônios ambos tinham números-deuses (Barrow 1992). r

Mais tarde o relógio, com seu rosto de números, encorajou a sociedade a abstrair e quantificar a experiência do tempo ainda mais. Cada relógio que mede o tempo é uma medida que une aquele que observa o relógio ao “fluxo do tempo”. E nós distraidamente nos enganamos pensando que sabemos o que o tempo é porque sabemos que é a hora. Se nos desfizermos dos relógios, recorda-nos Shallis (1982), o tempo objetivo também desapareceria. Mais fundamentalmente, se nos desfazermos da especialização e da tecnologia, a alienação desapareceria.

A matematização da natureza foi a base para o nascimento do racionalismo moderno e da ciência no Ocidente. Isto tem se originado a partir das exigências do número e a medida em conexão com ensinos similares sobre o tempo, ao serviço do capitalismo mercantil. A continuidade do número e o tempo como um lugar geométrico foi fundamental para a Revolução Científica, que projetou a resolução de Galileu para medir tudo aquilo que é mensurável e fazer mensurável o que não é. O tempo matematicamente divisível é necessário para a conquista da natureza, e inclusive para os rudimentos da tecnologia moderna.


A partir de então, o tempo simbólico baseado em números se fez implacavelmente real, uma construção abstrata “afastada e inclusive contrária a toda experiência interna e externa humana” (Syzamosi 1986). Sob esta pressão, o dinheiro e a linguagem, a mercadoria e a informação, tornaram-se prontamente menos distinguíveis, e a divisão do trabalho mais extrema.


Simbolizar é expressar a consciência do tempo, já que o símbolo encarna a estrutura do tempo (Darby 1982). Mais claro ainda é a formulação de Meerloo: “Entender um símbolo e seu desenvolvimento é entender num pequeno reflexo a história humana”. O contraste é a vida do não civilizado; vivida num imenso presente que não pode ser reduzido a um simples momento do presente matemático. À medida que o contínuo deixou passagem a uma dependência de sistemas de símbolos significativos (linguagem, número, arte, ritual, mito) deslocados forçadamente fora do agora, em favor da abstração, a história, começou a desenvolver-se. O tempo histórico não é mais inerente à realidade do que as formas de tempo mais antigas e caóticas; é, ao invés, uma imposição sobre elas.


Num contexto levado lentamente a estados cada vez mais sintéticos, a observação astronômica é envolvida com novos significados. Uma vez perseguida por seu próprio valor, vem a prover o veículo para realizar rituais e coordenar as atividades de uma sociedade complexa. Com a ajuda das estrelas, o ano e suas divisões existem como instrumentos da autoridade organizativa (Leach 1954). A criação de um calendário é básica para a formação de uma civilização. O calendário foi o primeiro artefato simbólico que regulava a conduta social através da medida do passo do tempo. E a questão aqui não é o controle do tempo, senão em seu oposto: o controle através do tempo, num mundo de uma alienação real. Alguém recorda que nossa palavra “calendário” vem do Latin Calends, o primeiro dia do mês, quando tinham de organizar as contas de negócios.


Hora de Rezar, Hora de Trabalhar


“Nenhum momento é inteiramente presente”, disse o estóico Crisifo, enquanto o conceito do tempo avançava ainda mais graças à subjacente doutrina judaico-cristã de um caminho linear e irreversível entre a Criação e a Salvação. Esta visão do tempo essencialmente histórica é o núcleo central da Cristandade; todas as noções básicas de um tempo mensurável numa só direção podem encontrar-se nos escritos de Santo Agostinho (século V). Com a difusão da nova religião, a regulação estrita do tempo no plano prático era necessária para ajudar a manter a disciplina da vida monástica. Os sinos que chamavam aos monges a rezar oito vezes ao dia se escutavam bem mais além dos confins do mosteiro, e assim uma regulação do tempo foi imposta na sociedade em geral. A população continuou mostrando "une vaste indiffrance au temps'' ("uma forte indiferença ao tempo”) através da era feudal, segundo Marc Bloch (1940), mas não é casual que os primeiros relógios públicos enfeitassem as catedrais no ocidente. Vale notar a este respeito o fato de que a chamada de horas precisas para rezar se convertesse na principal externalização da crença medieval islâmica.


A invenção do relógio mecânico foi um dos pontos decisivos mais importantes na história da ciência e da tecnologia; certamente de toda a arte e cultura humana (Synge 1959). A melhora em sua exatidão proporcionou à autoridade grandes oportunidades para a opressão. Um devoto antigo dos relógios mecânicos elaborados, por exemplo, foi o Duque Gian Galeazzo Visconti, descrito em 1381 como “um governante sereno, porém um governante astucio, com um grande amor pela ordem e precisão” (Fraser, 1988). Como escreveu Weizenbaum (1976), o relógio começou a criar “literalmente uma nova realidade… que foi e segue sendo uma versão empobrecida da anterior”.


Introduziu-se uma mudança qualitativa. Inclusive quando nada acontecia, o tempo não deixava de fluir. A partir daquela época, os fatos se localizaram neste envoltório homogêneo, esta fonte de medidas objetivas; e este movimento linear provocou resistência. Os mais extremos foram os movimentos milenaristas que apareceram em várias partes de Europa entre os séculos XIV e XVII. Estes movimentos geralmente se formavam de levantes camponeses que pretendiam recriar o estado igualitário original da natureza e se opunham explicitamente ao tempo histórico. Estas explosões utópicas foram destruídas, mas restos dos conceitos anteriores ao tempo persistiram como um extrato “inferior”, mais profundo, da consciência do povo em muitas áreas.


Durante o Renascimento, o domínio por parte do tempo atingiu um novo nível à medida que os relógios públicos foram marcando as vinte e quatro horas do dia e se adicionaram novos ponteiros para marcar os segundos. A grande descoberta da época foi um sentido da dominante presença do tempo, e nada o retrata mais graficamente do que a figura do Pai Tempo. A arte do Renascimento fundiu o deus grego Cronos com o romano Saturno para criar a deidade que representa o poder do Tempo, armada com uma mortal foice simbolizando sua associação com a agricultura e a domesticação. O Baile da Morte e outros artefatos que recordam o final da vida precederam ao Pai tempo, mas o tema se converte no tempo em lugar da morte.


O século XVII foi o primeiro no qual as pessoas consideraram a si mesma como parte de um determinado século. É necesário tomar o seu lugar no tempo. As obras de Francis Bacon, The Masculine Birth of Time (1603) (O “Nascimento Masculino do Tempo”) e A Discourse Concerning a New Planet (1605) (“Um Discurso A respeito de um Novo Planeta”), abraçaram o aprofundamento nesta dimensão e mostraram como um sentido ampliado do tempo podia servir ao novo espírito científico. “Eleger o tempo é economizar o tempo”, escreveu, bem como “A verdade é a filha do tempo”. Descartes lhe seguiu, introduzindo a idéia do tempo como ilimitado; este autor foi um dos primeiros defensores da idéia moderna do progresso, estreitamente relacionada a idéia do tempo linear sem limites. Isto ficaria expressado de uma forma muito característica em seu famoso convite p ara nos convertemos em "mestres e possuidores da natureza”.


O universo mecânico de Newton foi a coroação suprema da Revolução Científica no século dezessete, e se baseou em sua concepção do “tempo Absoluto, verdadeiro e matemático, a respeito de si e de sua própria natureza, fluindo sem variação alguma, sem relação com nada eterno”. O tempo é então o grande governante; não dá contas a ninguém, não é influenciado por nada, e é totalmente independente do meio: consiste no modelo perfeito de uma autoridade impossível de contestar, e que garante uma alienação impossível de alterar. A física clássica de Newton de fato continua, apesar dos avanços científicos, a qual dá lugar ao conceito dominante do tempo.


O aspecto de um tempo abstrato e independente encontrou seu paralelo na emergência de uma classe trabalhadora crescente, formalmente livre, forçada a vender sua força de trabalho como um bem abstrato no mercado. Antes da chegada das fábricas, mas ainda sujeita ao poder disciplinário do tempo, esta força de trabalho era o oposto ao Tempo da monarquia: livre e independente mas tão somente em nome. Segundo afirma Foucault (1973), foi partir deste momento que o Ocidente se converteu numa "sociedade carcerária”. Possivelmente mais direto ao ponto vai o provérbio balcânico,"A clock is a lock'' ( “um relógio é um fechadura”).


Em 1749 Rousseau jogou fora seu relógio, uma rejeição simbólica da ciência e civilização modernas. Mais conforme com o espírito dos tempos, no entanto, foram os presentes de cinqüenta e um relógios a Maria Antonieta em seu noivado. A palavra “watch” (vigia, sentinela, etc) em inglês é certamente apropriada, já que teríamos que “observar” (watch) o tempo mais e mais; os relógios -watches- acabariam por converter-se num dos principais produtos da era industrial.


William Blake e Goethe ambos atacaram a Newton, símbolo da nova era e ciência, por seu distanciamento da vida com respeito ao sensual, sua redução do natural ao mensurável. O ideólogo capitalista Adam Smith, por outro lado, ecoou Newton e o impulsionou, clamando por uma racionalização e rotinização. Smith, como Newton, trabalhou sob o feitiço de um tempo cada vez mais poderoso e sem remorsos, promovendo uma divisão do trabalho ainda maior, assim como o conceito do progresso absoluto.


Os Puritanos tinham proclamado como o primeiro, e em princípio, maior dos pecados o fato de perder “tempo” (Weber, 1921); isto se converteu, um século depois, no “tempo é dinheiro” de Benjamin Franklin. O sistema de produção em fábricas foi iniciado por fabricantes de relógios, e o relógio foi o símbolo da ordem, a disciplina e a repressão, exigidos para criar um proletariado industrial.


O grande sistema de Hegel a princípios do século XIX foi o arauto do “empurro no tempo” que é momentum da História; o tempo é nosso “destino e necessidade”, declarou. Postone (1993) destacou que o “progresso” do tempo abstrato se encontra estreitamente relacionado com o “progresso” do capitalismo como forma de vida. Ondas de industrialismo afogaram a resistência dos ludditas; avaliando este período em geral, Lyotard (1988) afirmou que “a doença do tempo se fez então incurável”.


Uma sociedade de classes cada vez mais complexa requer um sistema inclusive maior de sinais de tempo. As lutas contra o tempo, como apontaram Thompson (1967) e Hohn (1984), foram substituídas por lutas “sobre” o tempo; a resistência sendo subjugada ao tempo e a suas demandas inerentes foi derrotada, e substituída tipicamente por disputas a respeito de uma justa determinação dos horários ou da duração da jornada de trabalho. (Num discurso na Primeira Internacional o 28 de Julho de 1868 Karl Marx defendeu, a propósito, a idade de nove anos como o momento de começar a trabalhar).


O relógio desceu da catedral à corte, ao banco e à estação de transportes ferroviários, e por último ao bolso e bolsa de cada cidadão decente. O tempo teve que se tornar mais “democrático” para colonizar realmente a subjetividade. O submeter da natureza externa, como entenderam Adorno e outros, tem êxito somente na medida em que se conquista a natureza interna. A expansão das forças de produção, para dizer de outra maneira, dependia da vitória do tempo em sua longa guerra contra uma consciência livre. O industrialismo trouxe consigo uma extensão mais completa do tempo, o tempo em sua forma mais predatória até o momento. Foi isto o que Giddens (1981) viu como “a chave para as transformações mais profundas da vida social do dia a dia, conseqüência da emergência do capitalismo”.


"O tempo anda”, como se diz, num mundo cada vez mais dependente do tempo e de um tempo cada vez mais unificado. Um único e enorme relógio pende sobre o mundo e o domina. Penetra o todo; em sua corte não há apelação possível. A padronização do tempo em um nível mundial assinala a vitória da sociedade mecanizada, um universalismo que desfaz as particularidades do mesmo modo em que os computadores levam a homogeneização do pensamento.


Paul Virilio (1986) chegou tão longe para prever que “a perda do espaço material leva ao governo exclusivo do tempo”. Uma noção mais provocante investe o nascimento da história com respeito à maturidade do tempo. De fato, segundo Virilio (1991), mas encontramos já vivendo dentro de um sistema de temporalidade tecnológica no que a história foi eclipsada; “a questão principal se converte cada vez menos em nossa relação com a história; trata-se de nossa relação com o tempo”.


Deixando os vôos teóricos de lado, existem amplas evidências e depoimentos a respeito do papel central que joga o tempo em nossa sociedade. Em ``Time - The Next Source of Competitive Advantage (''Tempo “a Próxima Fonte da Vantagem Competitiva”) (Julho-Agosto de 1988, Harvard Business Review), George Stark Jr. discute-o como um ponto de apoio no posicionamento do capital: “Como arma estratégica, o tempo é o equivalente ao dinheiro, produtividade, qualidade e inclusive inovação”. A administração do tempo certamente não é exclusiva das corporações; o estudo de Levine de 1985 sobre relógios públicos em seis países demonstrou que sua exatidão era um indicador exato da industrialização relativa da vida nesse país. Em 1993 no Harvard Business Review, Paul Adler oferece ``Time-and-Motion Regained,'' (“Tempo-e-Movimento Recuperados”), defendendo desnudamente a pad ronização e regimentação neo-Taylorista do trabalho; por trás da tão bem-propagandeada “democracia no local de trabalho”, em muitas fábricas permanece a “disciplina do tempo-e-movimento e estruturas formais burocráticas essenciais para a eficiência e a qualidade nas operações rotineiras”.


 
O Tempo na Literatura

Resulta claro que a escritura facilitou a estabilização dos conceitos do tempo e o começo da história. Mas é de destacar que, como aponta o antropólogo Goody (1991), “as culturas orais estão com freqüência demasiado dispostas a aceitar estas inovações”. Já foram condicionadas, depois de tudo, pela linguagem em si. Discute McLuhan (1962) como a chegada do livro impresso e a alfabetização em massa, reforçaram a lógica do tempo linear.


A vida foi forçada a adaptar-se; “já que agora o tempo me tinha convertido em seu relógio”, escreveu Shakespeare em Ricardo II. O “tempo”, bem como “rico”, foi uma das palavras preferidas do Bardo, uma figura assombrada pelo tempo. Cem anos depois, Robinson Crusoe de Defoe refletiu o impossível que parecia uma evasão com respeito ao tempo. Afastado de tudo numa ilha deserta, Crusoe se preocupa profundamente com a passagem do tempo; sua forma de medir seus assuntos, inclusive nesse palco, implicava, sobretudo medir o passo do tempo, especialmente enquanto perdurasse a tinta com que escrevia.


Northrop Frye (1950) viu a “aliança do tempo e o homem ocidental” como a característica que define a novela. De forma parecida, “O Auge da Novela” de Ian Watt (1957) centrou-se na renovada preocupação sobre o tempo que estimulou o surgir da novela no século XVIII. Como contou Jonathan Swift nas Viagens “de Gulliver” (1726), seu protagonista nunca fazia nada sem ter olhado seu relógio. “Chamava-o de oráculo, e disse que marcava o momento para cada ação de sua vida”. Os Liliputienses concluíram que o relógio era o deus de Gulliver. O “Tristram Shandy” de Sterne (1760), no prelúdio da Revolução Industrial, começa com a mãe de Tristram interrompendo seu pai no momento de seu coito mensal: ” ‘querido', disse minha mãe, ‘esqueceste de dar-lhe corda ao relógio?’ “.


No século XIX, Poe satirizou a autoridade dos relógios, relacionando-os com a superficialidade burguesa e a obsessão pela ordem. O tempo é o tema real das novelas de Flaubert, segundo Hauser (1956), pois Walter Pater (1901) viu na literatura o “momento totalmente concreto” que “absorveria o passado e o futuro numa consciência intensa do presente”, similar à celebração das epifanias “” de Joyce. Em Mario “o Epicúreo” (1909), Pater descreve a Mario dando-se conta de repente da possibilidade “de um mundo real além do tempo”. Enquanto, Swinburne procurava uma trégua além das terras “golpeadas pelo tempo”, e Baudelaire declarava seu medo e ódio ao devorador inimigo, o tempo cronológico.


A desorientação numa era arruinada pelo tempo e sujeita à aceleração da história levou aos escritores modernos a relacionar-se com o tempo a partir de novos e extremos pontos de vista. Proust delineou inter-relações entre acontecimentos que transcendiam a ordem temporária convencional e violavam os conceitos causais newtonianos. Em seu décimo terceiro volume, “Em busca do Tempo Perdido” (1925), julgaria que “um minuto liberado da ordem do tempo se recriou em nós… o indivíduo liberto da ordem do tempo”, e reconhece que se trata do “único meio onde se poderia viver e desfrutar a essência das coisas; completamente fora do tempo”.


A filosofia no século XX tem se preocupado sobre o tempo. Considerem-se as péssimas tentativas de encontrar o “tempo autêntico” de pensadores tão diferentes como Bergson e Heidegger, ou a virtual deificação do tempo por parte deste último. “O Tempo e a Novela” de A.A. Mendilow (1952) revela como um interesse da mesma intensidade dominou as novelas deste século, em particular as de Joyce, Woolf, Conrad, James, Gide, Mann, e por suposto, Proust. Outros estudos, como “O Tempo e a Realidade da Igreja” (1962), expandiram esta lista de novelistas para incluir entre outros a Kafka, Sartre, Faulkner e Vonnegut.


E claro, a literatura golpeada pelo tempo não se restringe à novela; a poesia de T.S. Elliot com freqüência expressa uma ânsia de escapar a convencionalidade atada pelo tempo. “Um bom exemplo é “Burnt Norton” em 1941, com estas linhas:


Tempo passado e tempo futuro permitem tão só uma ligeira consciência. Ser consciente é não se encontrar no tempo.


No inicio de sua carreira (1931), Samuel Beckett escreveu com agudeza sobre “a ingenuidade venenosa do Tempo na ciência da aflição”. A obra “Esperando a Godot” (1955) é um óbvio candidato a este respeito, bem como o seu “Murphy” (1957), onde o tempo se faz reversível na mente do personagem principal. Quando o tempo pode ir a qualquer direção, nosso sentido do tempo e o tempo em si, desaparecem.


A Psicologia do Tempo


Passando ao que comumente chamamos psicologia, de novo nos encontramos com uma das questões fundamentais: há realmente um fenômeno do tempo que existe fora de todo indivíduo, ou talvez reside só em nossa percepção? Husserl, por exemplo, falhou ao mostrar por que a consciência no mundo moderno parece constituir-se inevitavelmente sobre o tempo. Sabemos que as experiências, assim como os acontecimentos de qualquer outra classe, não são nem passado, nem presente, nem futuro em si mesmos.


Enquanto até os anos 70 teve um escasso interesse sociológico no tempo, o número de estudos sobre o tempo na literatura psicológica tem crescido rapidamente a partir 1930 (Lauer 1988). O tempo, provavelmente, é a definição “psicológica” mais difícil. O que é o tempo? O que é a experiência do tempo? O que é alienação? O que é a experiência da alienação? Se o sujeito alienado não estivesse tão anulado, a óbvia inter-relação entre ambos conceitos estaria clara.


Davies (1977) denominou a passagem do tempo como “um fenômeno psicológico de origem misteriosa”, e concluiu em 1983 que “o segredo da mente só se resolverá quando entendermos o segredo do tempo”. Com a separação artificial do indivíduo da sociedade que define ao campo da psicologia, é inevitável que psicólogos e psicanalistas como Eissler (1955), Loewald (1962), Nammun (1972) e Morris (1983) tenham encontrado “grandes dificuldades” ao estudar o tempo!


No entanto, ao menos se têm conseguido intuições parciais. Hartcollis por exemplo, advertiu em 1983 que o tempo não é só uma abstração senão um sentimento, enquanto Korzybski (1948) já tinha levado isto mais longe com sua observação de que “o tempo é um sentimento produzido pelas condições deste mundo…”. Durante todas nossas vidas estamos “esperando Godot” segundo Arlow (1986), que acreditava que nossa experiência do tempo surge de necessidades emocionais insatisfeitas. De forma similar, Reichenbach tinha considerado em 1956 tanto as filosofias anti-tempo como a religião “mostras de nossa insatisfação emocional”. Em termos freudianos, Bergler e Roheim (1946) viram a passagem do tempo como um símbolo dos períodos de separação originados na primeira infância. “O calendário é a materialização definitiva da ansiedade da separ ação”. Se estivessem apoiadas por um interesse crítico no contexto social e histórico, os envolvimentos destas afirmações escassamente desenvolvidas poderiam converter-se em contribuições sérias. No entanto, confinadas à psicologia, permanecem limitadas e inclusive apontam em direções errôneas.


No mundo da alienação nenhum adulto pode obter nem decretar a liberdade do tempo que a criança desfruta – liberdade que provavelmente irá perder. O treinamento do tempo, a essência da escolarização, é de importância vital para a sociedade. Este treinamento, como Fraser (1984) indica com grande profundidade, “carrega de forma paradigmática as características do processo de civilização”. Um paciente de Joost Meerlo (1966) “expressou com sarcasmo: ‘O tempo é a civilização’, dizendo que os horários e a meticulosidade eram as grandes armas utilizadas pelos adultos para forçar os jovens à submissão e a servidão”. Os estudos de Piaget (1946, 1952) não puderam detectar um sentido inato do tempo. Ao invés, a noção abstrata do “tempo” resulta de uma dificuldade considerável para os mais jovens. Não é algo que aprendem autom aticamente; não há uma orientação espontânea para o tempo (Hermelin e Ou’Connor, 1971; Voyat, 1977).


O tempo e a ordem se encontram relacionados etimologicamente, e nossa idéia newtoniana do tempo representa uma ordem perfeita e universal. O peso acumulado desta pressão cada vez mais pervasiva se mostra no crescente número de pacientes com sintomas de ansiedade com respeito ao tempo (Lawson 1990). Dooley (1941) referiu-se ao “fato observado de que as pessoas com um caráter obsessivo, seja qual for sua forma de neurose, são aquelas que fazem um uso mais intenso de seu sentido do tempo…”. Em "Analidade e Tempo” (1969), Pettit argumentou de forma convincente a favor da próxima inter-relação de ambos conceitos, tal e como Meerloo (1966), citando o caráter e lucros de Mussolini e Eichmann, encontrou “definitivamente uma conexão entre a compulsão do tempo e a agressão fascista”.


Capek chamou em 1961 ao tempo de “uma alucinação crônica, imensa, da mente humana”; há poucas experiências de fato que possam considerar-se carentes de tempo. O orgasmo, o LSD, a vida “passando por adiante de teus olhos” num momento de perigo extremo… estas são algumas das escassas e breves situações o bastante intensas para escapar da insistência do tempo.


A ausência de tempo é o ideal do prazer, escreveu em 1955 Marcuse. O passo do tempo, por outro lado, impulsiona o esquecimento do que foi e do que poderia ser. É o inimigo de Eros e um profundo aliado da ordem da repressão. Os processos mentais do inconsciente carecem de fato do tempo, segundo afirmou Freud em 1920 “. O tempo não os muda de nenhuma forma, e a idéia do tempo não pode aplicar-se.” Portanto, o desejo está já em si fora do tempo. Como disse Freud em 1932 “, Não há nada no Id que corresponda à noção de tempo; não há reconhecimento do passo do tempo”.


Marie Bonaparte argumentou em 1939 que o tempo se volta menos rígido e obedece mais ao princípio do prazer quando soltamos as ataduras do controle total através do ego. Os sonhos são uma forma de pensar entre os povos não civilizados (Kracke, 1987); esta habilidade deve ter sido bem mais acessível para nós. Os Surrealistas acreditavam que a realidade poderia entender-se de forma bem mais completa se fossemos capazes de nos conectarmos com nossas experiências instintivas, subconscientes; Breton, por exemplo, proclamou em 1924 o objetivo radical de um propósito de realidade tanto “sonhada” como “consciente”.


Quando sonhamos, o sentido do tempo é virtualmente inexistente; é substituído por uma sensação de presente contínuo. Não deveria surpreender, pois que os sonhos, que ignoram as regras do tempo, atraíssem atenção daqueles que procuram pistas libertadoras, ou que o inconsciente com suas “tormentas de impulso” (Stern, 1977) assuste aqueles assentados com firmeza na neurose que chamamos civilização. Norman O. Brown (1959) viu o sentido do tempo ou da história como uma função da repressão; se a repressão fosse abolida, raciocinou, seríamos libertos do tempo. De forma similar, Coleridge (1801) reconheceu no homem “industrioso e metódico” a origem e o criador do tempo.


Em sua “Crítica da Razão Cínica” em 1987, Peter Sloterdijk fez um chamado pelo “reconhecimento radical do Id, sem reservas”, uma auto-afirmação narcisista que daria gargalhada ante o rosto de nossa mal-humorada sociedade. O narcisismo, por suposto, foi considerado tradicionalmente como algo horroroso, a “heresia do auto-amor”. Na realidade significa que isto se reservou para as classes dirigentes, enquanto o resto (trabalhadores, mulheres, escravos) devia praticar a submissão e o auto-estrangulamento (Fine 1986). Os sintomas narcisistas são sentimentos de esvaziamento, irrealidade, alienação, a vida reduzida a uma sucessão de momentos, acompanhada por um anseio de uma poderosa autonomia e auto-estima (Alford 1988, Grunberger 1979). Dado o caráter destes sintomas e desejos, não é de estranhar que o narcisismo possa ser visto como uma força potencialmente emancipadora (Zweig 19 80). Resulta evidente que sua demanda para a satisfação total é no mínimo um individualismo subversivo.


O narcisista “odeia o tempo, nega o tempo” (carta ao autor, Alford 1993) e isto, como sempre, produz uma severa reação por parte dos defensores do tempo e da autoridade. O psiquiatra E. Mark Stern (1977), por exemplo: “Já que o tempo começa além do controle do indivíduo, este tem de corresponder a suas demandas… a coragem é a antítese do narcisismo”. Esta condição, que sem dúvida inclui aspectos negativos, contém o germe de um paradigma diferente da realidade, apontando para a atemporalidade da perfeição onde o “ser” e “vir a ser” são unificados, onde se detém implicitamente o tempo.



O Tempo na Ciência


Não sou científico, mas sei que todas as coisas começam e acabam na eternidade - “O Homem que Caiu na Terra”, Walter Trevis


Em relação com nosso propósito neste texto, a ciência não comenta sobre o tempo e sua forma de estrangular de forma tão direta como, por exemplo, a psicologia. No entanto, a ciência pode ser reconstruída para dar luz ao tema em questão, dados os múltiplos paralelos entre a teoria científica e os assuntos humanos,

“O Tempo”, afirma N.A. Kozyrev (1971), “é o fenômeno mais importante e misterioso da Natureza. Sua noção se encontra além do alcance da imaginação”. Alguns cientistas, de fato, consideraram (p.ex Dingle 1966) que “todos os problemas reais associados com a noção do tempo são independentes da física”. A ciência, e a física em particular, poderiam de fato não ter a última palavra; consistem em outra fonte de explicações, ainda que seja também fonte em geral alienada e indireta.

É o “tempo da física” o mesmo tempo de que temos consciência? E se não é assim, em que se diferenciam? Na física, o tempo parece ser uma dimensão básica indefinida, que se toma como dada fora do reino da ciência. Esta é uma forma de recordar-nos que, como sucede com qualquer outra forma de pensamento, as idéias científicas carecem de significado fora de seu contexto cultural. São sintomas e símbolos das formas de vida que os criaram. Segundo Nietzsche, tudo o que é escrito é inerentemente metafórico, apesar de que rara vez se olhe assim para a ciência. Esta foi desenvolvida através de uma separação radical entre os mundos interno e externo, entre o sonho e a “realidade”. Levou-se a cabo através de matematização da natureza, o qual em grande parte significou que o cientista procede através de um método que lhe separa do contexto mais amplo, incluindo as origens e o significado de seus projetos. Tal e como indicou H.P. Robinson (1964), “as cosmologias que criou a humanidade em diversas épocas e lugares refletem inevitavelmente o meio físico e intelectual, incluindo, antes de mais nada, os interesses e a cultura de cada sociedade”.O tempo subjetivo, como apontou P.C.W. Davies (1981), “possui qualidades aparentes ausentes do mundo ‘exterior’ e que são fundamentais em relação a nossa concepção da realidade”; principalmente, o “passo” do tempo. Nossa sensação de estar separados do mundo é em boa medida produto desta discrepância. Existimos no tempo (e na alienação), mas o tempo não se acha no mundo físico. A variável temporária, ainda sendo útil à ciência, é uma construção teórica. “As leis da ciência”, explicou Stephen Hawking (1988), “não distinguem entre passado e futuro”. Einstein tinha ido mais longe do que isto uns trinta anos atrás; numa de suas últimas cartas, escreveu que “nós, que acreditamos na física, sabemos que a diferença entre passado, presente e futuro é tão somente uma persistente ilusão”.


Mas a ciência toma parte na sociedade de outras formas em relação ao tempo, e o faz com muita profundidade. Quanto mais “racional” se volta, mais variações no tempo se suprimem. Por exemplo, a física teórica geometriza o tempo concebendo-o como uma linha reta. A ciência não se encontra fora da história cultural do tempo. No entanto, como impliquei anteriormente, a física não contém a idéia de um instante presente de tempo que “passa” (Park 1972). Mais ainda, as leis fundamentais não só são totalmente reversíveis com respeito à direção em que o tempo “passa”, como destacou Hawking; senão segundo Watanabe (1953) que “os fenômenos irreversíveis aparecem como resultado da natureza particular de nossa cognição humana”. De novo nos encontramos com a experiência humana jogando um papel decisivo, inclusive neste reino tão “objetivo”. Zee (1992) disse desta forma: “Na física, o tempo é esse conceito de que não podemos falar sem que entre na conversa de alguma forma a consciência”.


Inclusive em áreas aparentemente claras e diretas, estas ambigüidades existem em relação ao tempo. Enquanto a complexidade das espécies pode aumentar, por exemplo, não é assim em todos os casos, levando A J.M.Smith (1972) a concluir que “é difícil dizer se a evolução em si tem uma direção determinada”.


Em termos do cosmos, argumenta-se, a direção do tempo se encontra indicada automaticamente pelo fato de que as galáxias se afastam umas de outras. Mas parece ter uma virtual unanimidade com respeito aos fundamentos da física, de que o “fluir” do tempo é irrelevante e não faz sentido; as leis fundamentais da física são totalmente neutras em relação à direção do tempo (Mehlberg 1961, 1971, Landsberg 1982, Squires 1986, Watanabe 1953, 1956, Swinburne 1986, Morris 1984, Mallove 1987, D’Espagnant 1989, etc). A física moderna provê inclusive cenários onde o tempo deixa de existir, e de forma inversa, venha a existir. Portanto, por que nosso mundo é assimétrico com relação ao tempo? Por que não pode ir para trás assim como vai para adiante? Isto é um paradoxo, no mesmo sentido em que as dinâmicas moleculares individuais são todas reversíveis. A questão principal, a que regress arei mais tarde, é que a direção do tempo se mostra a si mesma na medida em que se desenvolve a complexidade, num assombroso paralelo com o mundo social.


O fluxo do tempo se manifesta no contexto do futuro e do passado, e ambos dependem por sua vez do referente conhecido como agora. Com Einstein e a relatividade, está claro que não há presente universal: não podemos dizer que é “agora” ao longo do universo. Não há nenhum intervalo fixo que seja independente do sistema ao que se refere, do mesmo modo que a alienação depende de seu contexto.


Portanto, do tempo se rouba a autonomia e objetividade de que desfrutava no mundo de Newton. Nas revelações de Einstein se encontra definitivamente mais individualmente delineado do que naquele estado de monarca absoluto e universal que tinha desfrutado. O tempo é relativo às condições específicas e varia segundo fatores como a velocidade e a gravitação. Mas se o tempo se tornou mais “descentralizado”, também colonizou a subjetividade mais do que nunca tinha feito antes. Assim como o tempo e a alienação se converteram na regra ao redor do mundo, há pouco consolo em saber que ambos dependem de circunstâncias variáveis; é a constante da alienação que provoca que o modelo newtoniano de um tempo fluindo de forma independente continue conosco, muito depois de que suas fundações teóricas tenham sido eliminadas pela relatividade.


A teoria quântica, relacionada com as partes menores do universo, é conhecida como a teoria fundamental da matéria. O núcleo da teoria quântica segue a outras teorias físicas fundamentais como a relatividade ao não fazer distinções com relação a direção do tempo (Coveny e Highfield, 1990). Uma premissa básica é o indeterminismo, no que o movimento das partículas neste nível é uma questão de probabilidade. Com os Positrons, que podem ser considerados elétrons movendo-se para trás no tempo, e os Tachyons, partículas mais velozes do que a luz que geram efeitos e contextos que invertem a ordem temporal (Gribbin 1979, Lindley 1993), a física quântica fez surgir questões sobre os fundamentos do tempo e da causalidade.


No microcosmo quântico, descobriram-se relações não causais que transcendem o tempo e põe em questão a própria noção de ordem dos acontecimentos no tempo. Pode haver “conexões e correlações entre acontecimentos muito distantes no tempo na ausência de qualquer força ou sinal intermediário” que ocorrem de forma instantânea (Zohar 1982, Aspect 1982). O eminente físico americano John Wheeler chamou atenção (1977, 1980, 1986) a respeito de fenômenos sobre os quais uma ação efetuada agora afeta ao curso de acontecimentos pertencentes ao passado.


Gleick (1992) resumiu a situação assim: “Com a simultaneidade desaparecida, a seqüencialidade estava afundando, a causalidade sob pressão, e os cientistas em geral se sentiram livres para considerar possibilidades temporárias que teriam parecido excessivas para a geração anterior”. No mínimo uma teoria na física quântica tentou eliminar a noção de tempo por completo (J.G. Taylor 1972); D.Park (1972), por exemplo, disse: “Prefiro a representação sem tempo do que com ele”.


A confusa situação na ciência se emparelha com o extremo do mundo social; a alienação, como o tempo, produz ainda mais pressões e paradoxos. As questões mais fundamentais emergem finalmente, quase como uma necessidade, em ambos casos. A queixa do século V de Santo Agostinho consistia em não entender em que consistia realmente a medição do tempo. Einstein admitindo a imperfeição de seu comentário com freqüência definiu o tempo como “o que mede um relógio”. A física quântica por sua vez assegura o caráter inseparável do observador daquilo que é medido. Através de um processo que os físicos não afirmam entender por completo, o ato de medir ou de observar não só revela a condição de uma partícula senão que de fato a determina (Pagels 1983). Isto leva a Wheeler (1984) perguntar, “Tudo, incluindo o tempo, está construído do nada mediante atos de participa ção do observador?”. Novamente um surpreendente paralelo, para a alienação, em qualquer nível e desde sua origem, requer exatamente tal participação, virtualmente como uma questão de definição.


A direção inevitável atrás-adiante do tempo é esse monstro que se mostrou mais terrível do que qualquer projétil físico. O tempo sem direção não é tempo em absoluto, e Cambel (1993) identifica esta direcionalidade do tempo como “uma característica primária dos sistemas complexos”. A conduta reversível no tempo das partículas atômicas se “comuta geralmente na conduta de um sistema que é irreversível”, concluiu Schlegel (1961). Se não tem raiz no micro-mundo, de onde
surge então o tempo? De onde surge o nosso mundo atado pelo tempo? Aqui encontramos uma analogia provocante. O mundo em pequena escala descrito pela física e suas misteriosas mudanças quando passamos ao macromundo, aos sistemas complexos, é análogo ao mundo social “primitivo” e as origens da divisão do trabalho que levaram a uma sociedade complexa e dividida em classes com este “progresso” aparentemente irreversível.

Uma afirmação sustentada habitualmente nas teorias da física é a de que o desenvolvimento do tempo depende da Segunda Lei da Termodinâmica (p.ex, Reichenbach 1956), que diz que todos os sistemas tendem para uma maior desordem ou entropia. O passado por tanto se encontra mais ordenado do que o futuro. Alguns dos que propuseram a Segunda Lei (p.ex, Boltzmann 1866) encontraram no aumento da entropia o significado da distinção entre passado e futuro.


Este princípio geral de irreversibilidade foi desenvolvido em meados do século XIX, começando com Carnot em 1824, quando o capitalismo industrial em si mesmo tinha atingido aparentemente um ponto irreversível. Se a evolução foi à aplicação otimista do século do tempo irreversível, a Segunda Lei da Termodinâmica foi a pessimista. Em seus termos originais, mostrava o universo como um imenso gerador de calor apagando-se, onde o trabalho se submetia cada vez mais à ineficiência e a desordem. Mas a natureza, como destacou Toda (1978), não é um gerador, não trabalha, nem lhe preocupa a “ordem” e a “desordem”. É difícil negar o aspecto cultural dentro desta teoria; o medo do capital a respeito de seu futuro.


Cento e cinqüenta anos mais tarde, os físicos teóricos descobrem que a Segunda Lei e sua suposta explicação do tempo não pode se considerar como um problema resolvido (Neman 1982). Muitos defensores da idéia de um passo do tempo reversível na natureza consideram a Segunda Lei muito superficial, uma lei secundária e não primária (p.ej, Haken, 1988; Penrose, 1989). Outros (p.ej Sklar, 1985) encontram o próprio conceito de entropia mau definido e problemático e argumentam que os fenômenos descritos pela Segunda Lei podem suceder ante uma série de condições iniciais específicas, mas que não representam o funcionamento de um princípio geral (Davies 1981, Barrow 1991). Mais ainda, não sucede que cada par de eventos que carrega o ''posterior" relacionados um com o outro carregam uma diferença entrópica. A ciência da complexidade (com um enfoque mais amplo do que a teoria do caos) descobriu do que nem todos os si stemas tendem para a desordem (Lewin 1992), o qual também contradiz a Segunda Lei. Inclusive, considerando que são nos sistemas isolados onde não há intercâmbios com o exterior, onde se mostra a tendência irreversível da Segunda Lei, o universo não é um sistema fechado. Sklar (1974) destaca que não sabemos se a entropia total do universo aumenta, diminui, ou permanece constante. Apesar de tais objeções, um movimento para uma “física irreversível” baseada na Segunda Lei se encontra a caminho, com envolvimentos bastante interessantes. Ilya Prigogine, premiado em 1977 com o Nobel, parece ser o defensor público mais inesgotável do ponto de vista de que há um tempo inato e unidirecional em todos os níveis de existência. Enquanto as bases de cada grande teoria científica são neutras com relação ao tempo, Prigogine dá ao tempo uma ênfase essencial no universo. A irreversibilidade é pa ra ele um axioma essencial. Numa ciência pretensamente afastada de ideologias, o tempo se converteu claramente numa questão política.


Num simpósio patrocinado pela Honda em 1985 que promovia projetos relacionados à Inteligência Artificial, Prigogine, disse: “Questões tais como a origem da vida, o universo, a matéria, não podem mais se discutir sem recorrer à irreversibilidade”. Não é coincidência que fosse do âmbito científico Alvin Toffler, quem ostenta a liderança entre os amantes do conceito de um mundo altamente tecnológico, apresentasse de forma entusiasta um dos textos básicos da campanha a favor do tempo, a “Ordem a Partir do Caos” de Prigogine e Stenger. O discípulo de Prigogine, Ervin Laszlo, em sua aposta em dar legitimadade e estender o dogma do tempo universalmente irreversível, pergunta se as leis da natureza são aplicáveis ao mundo humano. Logo responde, efetivamente, a sua maliciosa pergunta (1985): “A irreversibilidade geral da inovação tecnológica acaba com o indeterminismo no s pontos concretos de bifurcação, conduzindo o processo da história na direção que observamos, desde as tribos primitivas aos estados modernos tecno-industriais.”.


Que “científico”! Esta transposição das leis “da natureza” ao mundo social é dificilmente melhorável como descrição do tempo, a divisão do trabalho, e a mega-máquina achatando a autonomia ou a “reversibilidade” das decisões humanas. Leggett (1987) expressou-o perfeitamente: “portanto, pareceria que a direção do tempo que surge nesse sujeito aparentemente impessoal da termodinâmica está intimamente relacionada com o que nós, como agentes humanos, podemos ou não fazer”. É o resgate do “caos” o que Prigogine e outros prometem ao sistema dominante, mediante o modelo do tempo irreversível. O capital sempre reinou aterrorizado da entropia e a desordem. A resistência, especialmente a resistência ao trabalho, é a verdadeira entropia que o tempo, a história e o progresso procuram constantemente fazer desaparecer. Em 1984 Prigogine e Stenger escreveram: “A irreversibilidade é verdadeira em todos os níveis ou é em nenhum”. Tudo ou nada, a questão trata desse ponto “de apoio” definitivo do jogo.


Desde que a civilização subjugou a humanidade tivemos que viver com a idéia melancólica de que provavelmente nossas mais altas aspirações são impossíveis num mundo de movimento imperturbável do tempo. Quanto mais se adia o prazer e o entendimento, quanto mais se afastam de nosso alcance (e esta é a essência da civilização), mais palpável é a dimensão do tempo. A nostalgia do passado, a fascinação com a idéia da viagem no tempo e a inesgotável busca de uma maior longevidade são alguns dos sintomas da doença do tempo; não parece ter cura disponível. “O que não passa com a passagem do tempo é o tempo em si mesmo”, como entendeu Merleau-Ponty (1945).


Além de certa antipatia geral, de qualquer forma podemos destacar algumas recentes e específicas resistências. A Sociedade pelo Retardo do Tempo se estabeleceu em 1990 e tem algumas centenas de membros em quatro países europeus. Menos excêntrica do que parece, seus membros estão determinados a reverter a aceleração contemporânea do tempo na vida diária, com o objetivo de poder viver de forma mais satisfatória. A “Teologia Negativa do Tempo” de Michael Theunissen apareceu em 1991, almeja explicitamente aquilo que vê como o inimigo definitivo do ser humano. Seu trabalho engendrou um vivo debate nos círculos filosóficos (Penta 1993), devido a sua demanda por uma reconsideração negativa do tempo.


“O tempo é o único movimento apropriado para si mesmo em todas suas partes”, escreveu Merleau-Ponty em 1962. Aqui podemos ver a totalidade da alienação dentro do mundo dividido do capital. O tempo é pensado por nós antes de suas partes; desta forma revela sua totalidade. A crise do tempo é a crise de tudo. Seu triunfo, aparentemente bem estabelecido, não foi de fato nunca um triunfo total, já que qualquer um podia questionar as premissas básicas de sua existência.


Sobre o Lago Silviplana, Nietzsche encontrou a inspiração para “Assim Falou Zarathustra”. “Dois mil metros sobre o homem e o tempo…”, escreveu em seu diário. Mas o tempo não pode ser transcendido através de uma atitude arrogante com a humanidade, já que superar a alienação que gera não é um projeto em solitário. Neste sentido prefiro a formulação de Rexroth (1968): “o único Absoluto é a Comunidade do Amor na que o Tempo acaba”.

Podemos pôr fim ao tempo? Seu movimento pode ser visto como mestre e medida de uma existência social que se tornou cada vez mais vazia e tecnificada. Inimigo de tudo o que é espontâneo e imediato, o tempo cada vez mais revela com maior clareza suas ataduras com a alienação. O alcance de nosso projeto de renovação tem de incluir toda extensão desta dominação conjunta. Nossas vidas divididas poderão ser substituídas pela possibilidade de viver completamente e totalmente - sem tempo - apenas quando apagarmos as causas primitivas de tal divisão.

Fomos conferindo substância ao tempo de tal forma que parece um fato da natureza, um poder que existe por direito próprio. O crescimento de um sentido do tempo, a aceitação do tempo, é um processo de adaptação a um mundo em que cada vez mais os conceitos abstratos se tomam por reais. É uma dimensão fabricada, o aspecto mais elementar da cultura. A natureza inexorável do tempo fornece o modelo definitivo de dominação.Todo ritual é uma tentativa, através do simbolismo, de regressar a uma existência sem tempo. O ritual é um gesto de abstração de tal condição, ainda assim, é, no entanto um passo em falso que só nos afasta mais; a carência de tempo do número faz parte desta trajetória, e contribui muito ao conceito do tempo como conceito fixo.


Com a ajuda das estrelas, o ano e suas divisões existem como instrumentos da autoridade organizativa (Leach, 1954). A criação de um calendário é básica na formação de uma civilização. O calendário foi o primeiro artefato simbólico que regulou a conduta social medindo o passo do tempo. E o que está implicado neste ato não é o controle do tempo, senão o contrário; o aprisionamento mediante o jugo do tempo, num mundo que se desenvolve uma alienação extremamente real. No mundo da alienação nenhum adulto pode planejar ou decretar a liberdade do tempo que a criança habitualmente desfruta; e que provavelmente irá perder. O treinamento no tempo, a essência da escolarização, é de vital importância para a sociedade… e este treinamento, como nos adverte Fraser (1984), “carrega de forma paradigmática as características do processo de uma civilização”.


Por John Zerzan

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