Contra a Caridade

Em muitas cidades dos Estados Unidos, anarquistas tem organizado "Food Not Bombs". Os organizadores deste projecto irão explicar que a comida deveria ser grátis, que ninguém  jamais deveria passar fome. Certamente um sentimento admirável... e que os anarquistas respondem em muito da mesma maneira que cristãos, hippies ou esquerdistas e liberais - começando pela caridade.
 
Dir-nos-iam , de qualquer forma, que o "Food Not Bombs" é diferente. O processo de tomada de decisão usado pelos organizadores é não-hierárquico. Não recebem doações de governos ou corporações. Em muitas cidades, eles oferecem almoço como um acto de desobediência civil, correndo o risco de serem presos. Obviamente, "Food Not Bombs" não é uma caridade burocrática de grande proporções; de facto geralmente são esforços bem humildes... mas ainda uma caridade - e que nunca é questionada pelos seus organizadores anarquistas.

A caridade é necessária como parte de qualquer sistema social económico. A escassez imposta pela economia cria uma situação na qual algumas pessoas estão incapacitadas de encontrar as suas necessidades mais básicas através de meios normais. Mesmo em nações com programas de bem-estar social altamente desenvolvidos, existem aqueles que caem nas fendas do sistema. A caridade abraça a falha onde o sistema de bem-estar estatal não ajuda ou não quer ajudar. Grupos como "Foods Not Bombs" são, portanto, uma força de trabalho voluntária ajudando a preservar a ordem social através da reafirmação da dependência de programas de assistência, não das suas próprias iniciativas.

Não importa se o processo de decisão tomado seja não-hierárquico, a relação sempre será autoritária. Os beneficiários da caridade estão à mercê dos organizadores do programa e portanto não são livres para agir nos seus próprios termos nessa relação. Isto pode ser visto no modo humilhante no qual se recebe a caridade. Alimentações de caridade como o Food Not Bombs requerem que os beneficiarios cheguem num horário que não é das suas escolhas para estarem numa fila para receber comida que não é de sua escolha ( e comummente não muito bem feita) em quantidades doadas por algum voluntário que quer estar certo de que todo mundo receba uma fatia justa. É claro, é melhor do que passar fome, mas a humilhação é ao menos tão grande quanto o de esperar numa fila de mercado para pagar pela comida que você quer e pelo quanto e quando você quer comer. A dormência que desenvolvemos com tal humilhação - a dormência que é feita evidente, como certos anarquistas iram optar em comer em refeições de caridade todos os dias para evitar  ter que pagar por comida, como se não houvesse outra opção - mostra a extensão da qual a nossa sociedade é permeada com tais interacções humilhantes. Entretanto, poder-se-ia pensar que anarquistas poderiam recusar tais interacções enquanto dependesse da sua força para tal e procurar criar interacções de tipo diferente para destruir a humilhação imposta pela sociedade. Ao invés, muitos criam programas que reafirmam esta humilhação.

Mas e a empatia que alguém deve sentir por outro que está a sofrer devido a pobreza, e o desejo de compartilhar comida com os outros? Programas como "Food Not Bombs" não expressam empatia, expressam dó, pena. Doar comida não é compartilhar; é uma relação impessoal e hierárquica entre o papel social "doador" e o papel social "beneficiário". A falta de imaginação tem feito os anarquistas lidar com a questão da fome (uma questão abstracta para a maioria deles) em muito da mesma maneira como cristãos e esquerdistas, criando instituições cujo paralelo com estas ultimas existem prontamente. Assim como se espera quando anarquistas tentam fazer uma tarefa inerentemente autoritária , eles fazem um trabalho terrível... Por que não deixar o trabalho de caridade para aqueles que tem ilusões sobre isso? Anarquistas fariam melhor em encontrar maneiras de compartilhar individualidade se estão tão empolgados, maneiras que encorajam a autodeterminação no lugar da dependência e afinidade no lugar da pena.

Não tem nada de anarquista com o "Food Not Bombs". Mesmo o nome é uma exigência feita pelas autoridades. Isto é o porque que os seus organizadores usam sempre a desobediência civil - uma tentativa de apelar à consciência daqueles que estão no poder, conseguir deles alimento e lar para os pobres. Não tem nada em programas como este que encoraje a autodeterminação. Não tem nada que encoraje os beneficiarios a recusar tal papel e começar a tomar aquilo que precisam e querem sem seguirem as regras. "Food Not Bombs", como qualquer outra caridade, encorajam os seus beneficiarios a permanecerem recipientes passivos no lugar de se tornarem criadores activos das suas próprias vidas. A caridade deve ser reconhecida pelo que é: um outro aspecto da humilhação institucionalizada inerente na nossa existência economizada que deve ser destruída para então vivermos completamente.

Por Feral Faun

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