Ritos de Esquerda


Na astronomia, "Revolução" refere-se a uma volta ao mesmo lugar. Para a esquerda, parece significar mais ou menos a mesma coisa. A esquerda é literalmente reaccionária.  Assim como os generais estão uma guerra atrasados, os esquerdistas estão sempre em busca de uma revolução. Eles vêem como bem-vinda porque sabem que já nasceu fracassada. São vanguardistas porque sempre estão atrás do seu tempo. Como todos os líderes, os esquerdistas são menos intragáveis quando seguem  os seus seguidores, mas, em certas crises,  tomam a frente para fazer o sistema funcionar. Se a metáfora esquerda/direita tem algum significado, ele só pode ser que a esquerda fica à esquerda da mesma coisa da qual a direita fica à direita. Mas e se "revolução" significar sair da linha?

Se não houvesse direita, a esquerda teria que inventá-la - e muitas vezes o fez. (Exemplos: A histeria calculada com os nazistas e o KKK, que concede a estes covardes retardados a notoriedade de que precisam; ou qualquer denuncia comum da Maioria Moral¹ que torna inúteis ataques grosseiros às verdadeiras fontes de tirania  moralista - a família, a religião em geral e a ética do trabalho adoptada tanto pelos esquerdistas como pelos cristãos). A direita, da mesma forma, precisa da esquerda: a sua definição operacional é sempre "anticomunismo" ou os seus vários sinónimos baratos. Assim, a esquerda e a direita pressupõem-se e recriam-se uma  à outra.   Um efeito negativo dos tempos difíceis é que eles tornam a oposição fácil demais, como (por exemplo) a actual crise económica, que é encaixada em categorias marxistas arcaicas, populistas ou sindicalistas.

A esquerda, portanto, posiciona-se para cumprir o seu papel histórico de reformista desses males incidentais (embora agonizantes), os quais, devidamente abordados, escondem as injustiças essenciais do sistema: a hierarquia, o moralismo, a burocracia, a mão-de-obra assalariada, a monogamia, o governo, o dinheiro. (O marxismo poderá ser um dia algo mais do que a maneira sofisticada de o capital pensar sobre si mesmo?). Considere o epicentro reconhecido da crise actual: o trabalho. O desemprego é mau. Mas a isso não se segue, fora do dogma direita-esquerda, que o emprego seja bom. Não é.   O "direito ao trabalho", talvez um slogan adequado em 1848, está obsoleto em 1982. As pessoas não precisam de trabalho. Nós precisamos é da satisfação das necessidades de subsistência, por um lado, e, por outro, de oportunidade de actividade criativa, de convivência, educativa, diversificada e apaixonante. Vinte anos atrás, os irmãos Goodman estimaram que 5% do trabalho existente na época atenderia às necessidades mínimas de sobrevivência, um indicie que deve ser mais baixo hoje; obviamente, ramos inteiros de actividade não servem para nada mais do que atender às finalidades predatórias do comércio e da coerção. Essa é uma infra-estrutura ampla a ser modificada para criar um mundo de liberdade, comunidade e prazer no qual a "produção" de usos-valores seja o "consumo" de actividades gratificantes livres. Transformar o trabalho em brincadeira é um projecto para um proletariado que rejeita esta condição, não para esquerdistas que não têm mais o que conduzir.   

O pragmatismo, como rápido olhar no seu fundamento torna óbvio, é uma armadilha ilusória. A utopia não passa de senso comum. A escolha entre o "pleno emprego" e o desemprego - escolha à qual a esquerda e a direita colaboram entre si para nos confinar - é a escolha entre Gulag e a sarjeta. Não admira que, depois desses anos todos, uma população sufocada e sofredora esteja cansada da mentira democrática. Há cada vez menos pessoas querem trabalhar - até entre aquelas que têm motivos para temer o desemprego - e cada vez mais pessoas querem fazer maravilhas. Por favor, vamos fazer barulho para obter concessões, redução de impostos, amostras grátis, pão e circo - por que não morder a mão que nos alimenta, se o seu sabor é excelente? - mas sem ilusões.

A pérola (sur)racional da verdade dentro da mística ostra marxista é esta: a "classe trabalhadora" é o lendário "agente revolucionário", mas somente se, parando de trabalhar, abolir as classes. "Organizadores" perenes, os esquerdistas não entendem que os trabalhadores já foram definitivamente "organizados" por - e só podem ser organizados para - os seus chefes. "Activismo" é idiotice quando enriquece os nossos inimigos e lhes dá poder. A esquerda, essa parasita de símbolos doloridos, teme a deflagração do incêndio do Wilhelm Reichstag², que vai consumir os seus partidos e sindicatos junto com as corporações, exércitos e igrejas actualmente controladas pelo seu ostensivo oponente.  Hoje em dia, você precisa ser estranho para ser efectivo. A esquerda cinzenta, com as suas listas de antagonismo obrigatórios (contra issismos, aquilismos, e aquiloutrismos: contra tudo, menos a esquerda) não tem nenhum humor, nenhuma imaginação; portanto, não pode preparar revoluções, só golpes, que mudam as mentiras, mas não a vida.  Mas o ímpeto de criar é também um ímpeto destrutivo. Mais um esforço, esquerdistas, se quiserem ser revolucionários! Se vocês não se revoltarem contra o trabalho, estarão trabalhando contra a revolta.

Notas:

¹ O termo "Moral Majority" refere-se à existência de grupos que seguem uma rígida doutrina moral e religiosa (seja ela cristã, islâmica ou judaica).  É também o nome de um movimento político fundamentalista cristão norte-americano. (N. E.)

² Brincadeira com o incêndio que destruiu o prédio do parlamento alemão (Reichstag) em 11933 e Wilhelm Reich, psicanalista marxista freudiano.(N. E.)


Por Bob Black

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